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Violência contra a mulher: cobertura jornalística ainda blinda agressores
Roda de conversa promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Londrina discutiu o papel da mídia no enfrentamento à violência contra as mulheres
Fonte: Rede Lume de Jornalistas
O Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Londrina (CMDM), em parceria com Néias-Observatório de Feminicídios Londrina e Prefeitura de Londrina, realizou uma roda de conversa sobre o papel da mídia no enfrentamento à violência contra as mulheres na manhã desta quarta-feira (30), com o objetivo de debater a abordagem que os veículos de comunicação dão ao noticiar casos de violência de gênero, que muitas vezes revitimiza a agredida, tirando o peso da culpa do agressor.
O bate-papo virtual contou as falas das jornalistas Leila Lopes, Carolina Avansini e Aline Melo, que dividiram com o público suas experiências na produção de conteúdos que colocam as mulheres como protagonistas de suas histórias, numa tentativa de combater o machismo estrutural, além da participação do promotor Ronaldo Braga, que atua em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, crianças, adolescentes e idosos em Londrina.
Violência contra a mulher reflete descompromisso com a democracia
Para a jornalista Leila Lopes, produtora cultural, escritora e integrante da Coalizão Negra por Direitos e Coalização Afro e membro do Colegiado Nacional da Rede Sapatá, os jornalistas brasileiros ainda enfrentam o tripé racismo, machismo e sexismo ao conduzir editoriais em grandes veículos de comunicação.
“Temos leis progressistas, mas fazemos leituras que abrem brechas para violações de direitos humanos. Isso é um reflexo da conjuntura política atual, reflexo desse Executivo que não tem comprometimento com a democracia, que faz um recorte de raça e gênero, alinhado a um discurso defensor da família e temente a Deus, que é individual, mas reflete no coletivo.”
Para Leila, as grandes mídias são sensacionalistas e blindam homens violentos. “É uma leitura da impunidade. Existe uma lei, mas ela não é aplicada de forma mais dura em casos de feminicídio. Um Judiciário feito por homens reflete em punições menos severas para homens”, opinou a jornalista, destacando que os atuais representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos também não fortalecem o processo pedagógico de acabar com estereótipos que podem provocar atos violentos.
Defesa dos direitos da mulher é papel do Estado e da sociedade
De acordo com o promotor Ronaldo Braga, pela Constituição Federal de 1988, a defesa dos direitos das mulheres é papel do Estado, mas também de toda a sociedade. “É obrigação do Estado não praticar distinção e exclusão baseadas no sexo e fomentar mudanças na sociedade para erradicar práticas socioculturais atreladas ao privilégio do homem sobre a mulher.”
Braga lembrou que a prática de violência ou opressão contra a mulher é passível de condenação civil ou criminal. “Existe instrumento jurídico para condenar. Há regulamentação jurídica não só no âmbito das violências física e psicológica, mas também no âmbito moral.”
“Não vai demorar muito para o Ministério Público começar a condenar, inclusive, jornalistas que cometem crimes contra a honra, como injúria e difamação”, completou o promotor, citando um protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que traz interpretações que podem ser usadas contra os jornalistas que tiram a credibilidade da mulher no relato de uma notícia, por exemplo. O protocolo está disponível na biblioteca do Observatório de Feminicídios de Londrina.
“Os meios de comunicação devem coibir a reprodução de estereótipos masculinos e femininos, que passam também pela raça e idade, e precisam ser identificados e declarados. Isso só muda com a educação”, propôs Braga.
‘A violência sofrida não define a mulher’
Para a assessora de imprensa de Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, Carolina Avansini, a melhor forma de noticiar casos de violência contra a mulher é praticando a empatia. Em seu trabalho, ela se baseia em dados públicos para incentivar novas narrativas que colocam as mulheres como protagonistas de suas histórias.
“Nosso objetivo é contar a história dessas mulheres de uma forma mais empática e mais justa, sem estereótipos sexistas, evitando a revitimização. A violência sofrida não define a mulher. É importante não usar a palavra vítima, porque ela tira a importância da vida da mulher”, citou Carolina.
Segundo ela, o Néias entende que não há justificativa para qualquer tipo de violência, seja assassinato, agressão, estupro, assédio. “As palavras escolhidas pelo jornalista podem desmoralizar a mulher, então é importante não atribuir razões para o crime ao noticiar, porque normalmente elas estão atreladas a estereótipos e são justamente eles que queremos combater.”
Para Carolina, o que motiva a violência de gênero é o machismo estrutural e as regras do patriarcado, que vê a mulher como propriedade do homem. “Normalmente os crimes se dão por ódio, desprezo, sentimento de perda, por isso o jornalista deve refletir: estou reproduzindo o machismo em minha reportagem?”.
Nomear os crimes pelo seu nome correto também deve ser prerrogativa para uma boa cobertura jornalística. “Não é crime passional, é feminicídio”, destacou a jornalista, sugerindo que é sempre importante buscar informações que vão além dos dados de um boletim de ocorrência, “e buscar outras fontes para falar de violência de gênero, além de contar a história da mulher vítima de violência”.
Para a jornalista, o repórter deve sempre agir com empatia, “para não despertar emoções ruins durante a cobertura, nem para a mulher violentada nem para a família dela”, evitando a abordagem sensacionalista.
“O público precisa ser educado e é obrigação do jornalista colocar uma explicação a mais nas matérias, informar sobre as penas em caso de condenação e sobre medidas protetivas, para que as mulheres saibam como se defender e os homens possam conhecer as consequências de seus atos violentos”, explicou Carolina.
Estatísticas pautam políticas públicas
A repórter Aline Melo, do Diário do Grande ABC, Dia a Dia Revista e Portal Firminas, contou que enfrenta dificuldades em emplacar pautas feministas, que muitas vezes são ridicularizadas pelos donos dos veículos de comunicação. “É uma luta diária para fazer e refazer até que as pessoas entendam a importância de se discutir a violência contra a mulher.”
Para Aline, é difícil não cometer erros de apuração quando o jornalista se baseia apenas nos boletins de ocorrência mal escritos. “Tem a desclassificação da narrativa do feminicídio desde o início”, apontou.
Em suas reportagens, além de ir fundo nas histórias, ela costuma usar dados estatísticos. “Preciso de números para sair do achismo, porque dados concretos são capazes de pautar políticas públicas”, alertou.
Encontro integra Mês da Mulher
A mediação do encontro foi feita pela mestre em Ciência da Informação Sandra Aguilera, coordenadora do Coletivo Black Divas e coordenadora da Comissão de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres.
A roda de conversa integra o Mês da Mulher, sendo uma realização do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres (CMDM), por meio da Comissão de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, em parceria com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina e Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina.
Segundo a presidente do CMDM, Rosalina Batista, o debate com a imprensa é necessário, porque a violência afeta mulheres de todas as classes sociais e idades. Para a secretária municipal de Políticas para as Mulheres, Liange Doy Fernandes, os jornalistas podem ser parceiros na divulgação dos serviços e políticas públicas desenvolvidas pelo Município.
Famílias de vítimas pedem pena máxima para autor de duplo feminicídio no RJ
Julgamento está marcado para 8 de fevereiro, em Nova Friburgo; crime ocorreu em outubro de 2019
Fonte: Portal Firminas
“O luto do feminicídio não tem uma dor normal de um luto, ele rasga o peito”. A frase da cantora Andresa Vaz, 45 anos, resume bem o sentimento dos familiares de Alessandra Vaz e Daniela Mousinho da Silveira, que aos 47 anos, foram vítimas de um crime hediondo. Na noite do dia 7 de outubro de 2019, o engenheiro de produção Rodrigo Alves Marotti, 35, ex-companheiro de Alessandra, a agrediu e colocou fogo na casa onde ela e Daniela estavam dentro do banheiro, justamente para fugir da violência. No dia 8 de fevereiro, em Nova Friburgo, cidade do Rio de Janeiro onde ocorreu o crime, Marotti vai ser julgado e os familiares das vítimas têm feito uma campanha pelas redes sociais pedindo a pena máxima ao agressor.
Leia reportagem completa, com entrevista de integrante das Néias, aqui.
Brasil é condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em caso de feminicídio
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil, no último dia 24 de novembro, por um caso de feminicídio ocorrido na Paraíba (PB) em 1998. Márcia Barbosa de Souza, de 20 anos, uma jovem negra, foi vítima fatal de um ex-deputado estadual e a Corte considerou que este fato influenciou nas investigações. O Brasil foi responsabilizado por "violação de direitos e garantias judiciais, proteção judicial e igualdade perante a lei e por aplicação indevida da imunidade parlamentar em benefício do principal responsável pelo homicídio de Márcia...". (leia reportagem sobre o caso aqui)
Para as Néias-Observatório de Feminicídios Londrina esta condenação do Brasil na Corte Internacional de Direitos Humanos expõe os limites, no país, para o enfrentamento efetivo da violência contra mulheres. A própria Lei Maria da Penha só foi proposta, aprovada e implementada após derrota do Brasil na mesma corte. Dispor desta lei foi um grande avanço, porém, persistem inúmeros desafios quanto à qualidade dos serviços na implementação das normas.
O acesso à Justiça é uma questão chave para promover e garantir os direitos das mulheres. Uma das condições para isso é a “devida diligência”. Por tratados internacionais, o Brasil estaria obrigado a melhorar a qualidade das investigações, da colheita de provas, da elaboração de laudos periciais. Quantos feminicídios acontecem no Brasil e não são solucionados, isto é, sequer resultam em denúncia que indique um suspeito? Quantos processos de feminicídio no Brasil resultam em absolvição ou pena leve em decorrência da baixa qualidade das provas produzidas nos autos? Não sabemos! Mas seria importante saber. A sociedade enfrenta melhor os problemas que podem ser bem dimensionados.
Recebemos com alento essa condenação do Brasil.
CNJ lança protocolo para julgamento com perspetiva de gênero
Por: Agência CNJ de Notícias
“Estou certo de que o Protocolo contribuirá para a desconstrução de um cenário calcado em concepções e imagens sociais distorcidas e proporcionará às magistradas e aos magistrados brasileiros uma nova lente para prestarem jurisdição sob um novo olhar, mais igualitário, democrático e inclusivo”, disse o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, durante a apresentação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, nesta terça-feira (19/10), na abertura da 340ª Sessão Ordinária do Conselho.
O documento, elaborado pelo grupo de trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 27/2021, é resultado do trabalho de 21 representantes de diferentes ramos de Justiça e de universidades, no desenvolvimento de orientações baseadas em um método analítico que incorpora a categoria do gênero na análise das questões litigiosas por magistradas e magistrados. O protocolo possui 120 páginas contendo explicação de conceitos, apresentação de casos, e até um passo a passo para que as interpretações dos magistrados e magistradas sejam o menos possível contaminadas pela parcialidade e o machismo estrutural ainda presente na sociedade. O documento passa a integrar a biblioteca do Néias.
O presidente destacou concepções presentes no Protocolo que poderão contribuir para combater as causas da discriminação, “evidenciando estereótipos de gênero nocivos, redefinindo a masculinidade e lançando as bases para reencontrar relações entre pessoas em sua diversidade sexual, sejam mulheres ou homens, tendo por norte um paradigma de igualdade substancial”, disse.
Os(as) especialistas e magistrados(as) que participaram do trabalho reconhecem a influência do machismo, do sexismo, do racismo e da homofobia em todas as áreas do direito, não se restringindo à violência doméstica. “São preconceitos que produzem efeitos na sua interpretação e aplicação, inclusive nas áreas de direito penal, trabalhista, cível, e outros”, diz a conselheira Ivana Farina, coordenadora do GT que desenvolveu o documento, em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).
Feminicídio e crimes contra LGBTQIA+
Para Ivana Farina, o CNJ dá um passo importante no enfrentamento à violência de gênero ao apresentar o Protocolo. A conselheira exaltou o trabalho feito pelo grupo e ressaltou a importância da medida para o avanço do trabalho do Judiciário em direção à equidade de gênero e à defesa dos direitos humanos.
“Ainda que cinco mulheres sejam vítimas de feminicídio no Brasil todos os dias, ainda que dados do SUS mostrem que uma pessoa LGBTQIA+ seja agredida a cada hora em nosso país, nós insistimos para que o espaço do Judiciário seja um espaço de realização da igualdade, de não discriminação de pessoas. Que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, ou de preconceitos”, disse Ivana Farina, para quem o documento representa uma importante ferramenta em defesa da igualdade e da proteção dos direitos humanos.
Durante a apresentação, a conselheira fez um retrospecto das conquistas alcançadas pela sociedade desde 1998, quando a biofarmacêutica Maria da Penha entrou com uma ação junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, clamando para o julgamento de seu caso, interrompido na Justiça brasileira por 18 anos. A conselheira citou as Resoluções 254 e 255/de 2018, que estabeleceram políticas judiciárias voltadas não apenas ao fim da violência contra a mulher, mas também pelo olhar de equidade de gênero na Justiça.
Para a presidente da Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violência, Testemunhas e Vulneráveis do CNJ, conselheira Tânia Regina Reckziegel, o dia de hoje “é um dia histórico para pessoas que, como eu, acreditam e lutam por uma sociedade mais justa, plural e que respeite as mulheres”, disse a conselheira.
Na avaliação de Tânia, que também supervisiona a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do órgão, o julgamento com perspectiva de gênero direciona o Judiciário para a concretização da equidade de gênero, que vai além da igualdade meramente formal. “Trata-se da busca mais efetiva e participativa pela Justiça social na promoção de condições que legitimam o papel da mulher no contexto social. Infelizmente, as diferenças de oportunidades ainda existem”, afirmou.
Respeito e diversidade
“Após essas duas resoluções, o Judiciário adota ações que concretizam essa importante política de combate à opressão e ao preconceito”, afirmou Ivana, citando a criação de regras de paridade, desenvolvimento de estudos, adoção da flexão de gênero, entre outras ações, desenvolvidas pelo CNJ. “Ruim é a Justiça que discrimina; discriminação é o outro nome da injustiça. A Enfam esteve, está e estará onde houver o discurso da igualdade, onde houver discurso pelo fim da discriminação. E não apenas para proclamá-la, mas para exercê-la”, disse o diretor-geral da entidade, ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça.
Estupro de mulheres e feminicídio são escondidos pela imprensa patriarcal
Não consegui chegar ao fim da reportagem sobre Joice Rodrigues, violentada e assassinada na Baixada Santista
Por: Djamila Ribeiro, publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 7 de outubro de 2021
Gostaria de escrever sobre Joice Maria da Glória Rodrigues, 25 anos de idade, que desapareceu na segunda-feira, 27 de setembro, em São Vicente, no litoral de São Paulo. O último sinal de vida foi uma mensagem que mandou ao marido, solicitando que fosse buscá-la no ponto de ônibus. Ela tinha ido visitar sua avó e estava voltando para casa. 20 minutos depois da mensagem ser enviada, Joice não atendia mais o telefone.
As buscas foram intensas, empreendidas pela família e pelo marido, determinados em encontrá-la. Era uma conduta estranha, que nunca havia acontecido. No dia seguinte ao registro do desaparecimento, Camila, sua irmã, afirmou ao site G1: “Até agora a gente não tem nenhum vestígio, nada. Ela nunca fez isso. É angustiante, a cada minuto que passa ficando mais desesperador, a gente já deve de todas as formas em todos os lugares possíveis. Ela tem duas crianças pequenas, a gente olha e não sabe o que falar para elas”.
A família pediu informações e pistas em diversas mídias durante os dias que se seguiram. Consultaram as câmeras de monitoramento do VLT para tentar entender o ocorrido. Percorreram a região da casa da avó, fizeram buscas dia e noite. Nessa terça feira, 5 de outubro, veio a notícia: Joice Rodrigues foi morta por asfixia e concretada na parede por um pedreiro e um comparsa. Eles trabalhavam numa obra perto do local e, após a polícia perguntar se havia um local recém-concretado, o proprietário, dias depois, desconfiou de um acabamento, abriu e encontrou.
O que os homens estão fazendo com as mulheres neste país tem nome e nós sabemos qual. Um estupro a cada oito minutos, segundo dados do Anuário da Segurança Pública, um dos maiores índices de feminicídio no mundo, o país campeão em casamento infantil, o lugar onde mais se morre em decorrência da criminalização do aborto, um país onde milhões de crianças crescem sem o nome do pai na certidão. Um país que convive natural e diariamente com estupro, agressão, morte e abandono é um país fadado a ser amaldiçoado. É um país de genocídio de mulheres.
Quando li uma reportagem sobre o corpo de Joice ter sido encontrado, não consegui chegar até o fim. É muito doloroso saber que poderia ter sido qualquer uma de nós. Eu mesma sou da Baixada Santista, possuo familiares que moram em São Vicente. Quantas vezes saímos de casa correndo risco de sermos o alvo. Para nós, o ar que respiramos traz o odor do assédio e uma saída de casa não é apenas uma mera voltinha, mas um trajeto de alerta.
Decidi escrever a respeito e, ao me sentar para fazer este texto, li em diversas mídias que o pedreiro assassino confessou à polícia que a matou “depois de fazer sexo com ela”. No teor das reportagens, está escrito que ela havia sido estrangulada após ele ter “mantido relações com ela”.
É só acionar uma busca na internet que se encontra vários textos com essa chamada. É inacreditável que ainda tenhamos que ler coisas dessa natureza. Fazer sexo com ela? Ter mantido relações sexuais? Isso no dia seguinte que a jovem é encontrada em condições aviltantes?
“Fazer sexo com ela”? Fazer sexo se faz com quem há uma relação consentida, não com quem você asfixia e concreta na parede, será que é muito difícil entender que se tratou de uma violência sexual seguida por assassinato? As mulheres são ofendidas em vida e após a morte. Um tratamento desrespeitoso à Joice é um tratamento desrespeitoso a todas nós.
Será que algumas das mídias que deram essas chamadas têm uma cobertura especializada na proteção de mulheres? Pelo visto, a julgar pelo título e pelo conteúdo das matérias, trata-se da mídia patriarcal de sempre, que escamoteia a precarização de políticas públicas de proteção à mulher, ignora o genocídio e a política de estupro praticada contra mulheres no país para fazer manchete destacando o que o assassino de Joice teria afirmado.
Quais foram os sonhos de Joice? O que ela sonhava para os filhos pequenos? O que as pessoas que a amaram em vida têm a destacar sobre sua trajetória? Se formos mais além do caso em si, por que não perguntar a razão pela qual mulheres como Joice têm morrido nesse país? Quais políticas têm contribuído para o desmonte de mecanismos de proteção? Qual o orçamento que associações de defesa das mulheres tem para realizar um trabalho de conscientização? São perguntas mais interessantes do que ler as coisas que são ditas e escritas a respeito de mulheres nesse país.
A verdade é que o assassinato de mulheres vende apenas nas páginas policiais que, a pretexto de noticiar um absurdo desses, seguem com a desumanização que é a base da lógica do sistema de dominação patriarcal. Minha solidariedade à família de Joice Rodrigues.
DIA ESTADUAL DE COMBATE AO FEMINICÍDIO
Paraná é o 7° Estado em número de feminicídios no Brasil
Número ainda pode ser subnotificado; Néias defende visão mais ampla da qualificadora e pede implantação rápida do protocolo estadual sobre feminicídios
Por: Néias-Observatório de Feminicídios Londrina
Em todo o País, foram registrados 1.350 feminicídios em 2020, um aumento de 0,7% em relação a 2019. O Paraná é o sétimo Estado com maior número de casos registrados, 73 no ano passado. Os dados são do Anuário da Segurança Pública de 2021, produzido pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP) e divulgado na última semana. Eles nos trazem importante reflexão neste Dia Estadual de Combate ao Feminicídio (22 de julho).
Na análise dos dados nacionais o FBSP faz uma relevante observação: 14,7% dos casos de homicídios comuns de mulheres foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros, o que, por si só, os classificaria como feminicídios. Não foram, no entanto, entendidos como tal pelas polícias. Desta forma, o Fórum conclui que há uma defasagem de 377 casos no número nacional, elevando o número de feminicídios no País para 1.727 em 2020.
Não há, no documento, registros específicos dos autores dos homicídios e feminicídios no Paraná que nos permitam fazer esta mesma análise na realidade local, porém, podemos supor, a partir das nossas experiências, que também há defasagem nos dados estaduais.
O Néias - Observatório de Feminicídios Londrina trabalha com uma visão ampla do que é o feminicídio e pede implantação imediata do ‘Protocolo para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres (Feminicídios) no Paraná”, lançado em junho. O documento busca uniformizar as formas de atendimento às vítimas por meio do alinhamento da atuação dos órgãos. O texto traz normativas para as Polícias Militar, Civil e Científica, Ministério Público e Tribunal de Justiça.
Pela letra da Lei nº 13.104/2015, que criou a figura jurídica do feminicídio, o crime caracteriza-se como tal 1) quando o crime envolve violência doméstica e familiar; 2) quando envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulheres. Este segundo ponto, no entanto, é muitas vezes desconsiderado de forma independente, gerando uma visão restrita de que feminicídios são somente os assassinatos cometidos por companheiros ou ex-companheiros.
Estes são, certamente, os casos mais recorrentes e que levaram, inclusive, à criação da qualificadora. Não há como desconsiderarmos, porém, a sociedade na qual estamos inseridas e inseridos no momento desta análise. O modelo patriarcal, misógino e cisheteronormativo vigente faz com que mulheres cis e transexuais sejam violentadas diuturnamente.
Para garantir uma maior acuracidade na classificação dos feminicídios precisamos levar em conta nosso contexto social e capacitar os órgãos existentes, a fim de garantir o efetivo combate desse crime hediondo e, por fim, a redução das ocorrências. Este é o nosso objetivo maior.
Sobre a data - O Dia Estadual de Combate ao Feminicídio foi instituído em 2019 e marca a data do feminicídio da advogada Tatiane Spitzner, assassinada pelo então companheiro, Luís Felipe Manvalier, em Guarapuava. Julgado neste ano, ele foi condenado a 31 anos, 9 meses e 18 dias de prisão.